Quando a ferramenta morre e ninguém sente falta

Não abrimos o Gmail porque gostamos de e-mails. Nem usamos o Google por prazer em buscar. Essas ferramentas sempre foram um meio, não o fim. Uso o Gmail para me comunicar com alguém. Uso o Google para adquirir um conhecimento. E agora, mesmo esse meio começa a desaparecer.
Por anos, acreditamos que a tecnologia aproxima pessoas e ideias, retirando intermediários do caminho. Era o sonho da internet desintermediada: artistas vendendo direto para fãs, empresas conversando com seus consumidores sem atravessadores. Uma visão otimista, quase ingênua. Por um tempo, parecia que ia dar certo.
Mas surgiram os novos intermediários e eles não usavam gravata. Vinham em forma de plataforma. Uber, Mercado Livre, Instagram, Amazon. Eram práticos, eficientes e, acima de tudo, inevitáveis. O SaaS se consolidou como um novo tipo de camada. Elegante, fluido, mas ainda assim uma barreira entre intenção e objetivo.
Agora, essa camada começa a ruir.
As plataformas foram só outra fase do meio
Por mais transparente que uma interface tente ser, ela ainda exige ação: abrir um app, escolher uma opção, lembrar o caminho. Existe fricção. Pequena, mas constante.
As ferramentas baseadas em software viraram um wrapper, uma embalagem que envolve a vontade do usuário e a separa do que ele realmente quer fazer. A gente não queria apps. A gente queria respostas, soluções, movimento. Mas nos acostumamos às ferramentas como um mal necessário.
O problema é que isso não escala mais. A quantidade de apps, senhas, fluxos e telas nos colocou num labirinto de microdecisões. E ninguém quer viver assim.
A nova desintermediação não é uma revolução. É um apagamento.
Com o avanço da inteligência artificial, a lógica muda. A ferramenta deixa de ser uma coisa que se acessa e passa a ser algo que simplesmente acontece. A busca já vem sendo desintermediada, você escreve o que quer, e o resultado aparece sem clique, sem filtro, sem curadoria manual.
Essa nova camada cognitiva é mais do que uma interface. Ela é uma fusão entre intenção e execução. E, por isso, muitas ferramentas simplesmente vão deixar de existir visualmente. Não porque falham, mas porque se tornarão infra-estrutura.
E o mais curioso: ninguém vai sentir falta.
Quando a tecnologia desaparece
A verdadeira inovação não é aquela que aparece. É a que desaparece. A interface mais avançada é a que deixa de existir. A ferramenta mais sofisticada é a que você nem percebe que usou.
É isso que está acontecendo agora.
Não abriremos mais um app para escrever, organizar, traduzir ou planejar. A tarefa será feita no momento em que a intenção surgir. A tecnologia será incorporada à infraestrutura, como a eletricidade, como a água, silenciosa, onipresente, invisível.
E com isso, uma leva inteira de softwares, workflows e plataformas vai deixar de ter uma cara. Passa a ser infra-estrutura.
Conclusão
A desintermediação voltou, mas não como esperávamos. Não é libertária, nem utópica. É técnica, silenciosa e definitiva. A IA não está colocando o usuário no centro, ela está tirando o centro da equação. Ela encurta o caminho entre pensar e fazer. E no processo, apaga as interfaces visuais do mapa.
Não vamos chorar pelo app que não usamos mais. Nem vamos notar quando ele parar de aparecer na nossa tela. Vamos apenas seguir em frente, como se nunca tivesse existido e talvez seja esse o sinal mais claro de que o futuro chegou.